Capítulo 87 – Parte 2 – Orações Oferecidas pelos Vedas Personificados

Leitura do capítulo 87 – Parte 2 – Por Sri Lalita Prestha devi dasi

Certa vez, Nārada, o grande devoto e asceta entre os semideuses, estava viajando pelos diferentes planetas e desejou encontrar-se pessoalmente com o asceta Nārāyaṇa em Badarīkāśrama e oferecer-Lhe reverências. Essa encarnação divina em forma de grande sábio, Nārāyaṇa Ṛṣi, tem Se submetido a severas austeridades e penitências desde o início da criação para ensinar aos habitantes de Bhārata-varṣa como atingir a fase de perfeição máxima de volta ao Supremo. Suas austeridades e penitências são práticas exemplares para o ser humano. A encarnação divina Nārāyaṇa Ṛṣi estava sentado entre muitos devotos na vila conhecida como Kalāpa-grāma. Naturalmente, aqueles que estavam ao seu lado não eram sábios comuns, e o grande sábio Nārada também apareceu por ali. Após oferecer suas reverências a Nārāyaṇa Ṛṣi, Nārada fez-Lhe exatamente a mesma pergunta que o rei Parīkṣit fizera a Śukadeva Gosvāmī. Então, o Ṛṣi respondeu seguindo os passos de Seus predecessores. Ele narrou uma história de como essa mesma questão fora analisada no planeta conhecido como Janaloka, que se situa acima dos planetas Svargaloka, tais como a Lua e Vênus. Nesse planeta, vivem grandes sábios e pessoas santas, e eles, certa vez, discutiram o mesmo ponto referente à compreensão do Brahman e Sua verdadeira identidade.

O grande sábio Nārāyaṇa começou a falar. “Meu querido Nārada”, disse Ele, “vou lhe contar uma história que aconteceu há muitíssimo tempo. Houve uma grande reunião dos habitantes dos planetas celestiais, e quase todos os importantes brahmacārīs, tais como os quatro Kumāras – Sanandana, Sanaka, Sanātana e Sanat-Kumāra – estiveram presentes. A discussão conduzida por eles era acerca do tópico da compreensão da Verdade Absoluta, Brahman. Você não estava presente na reunião porque fora ver Minha expansão Aniruddha, que vive na ilha de Śvetadvīpa. Naquele encontro, todos os grandes sábios e brahmacārīs discutiram muito elaboradamente o tópico que agora você indaga, tendo sido muito interessante. A discussão foi tão delicada que nem mesmo os Vedas foram capazes de responder às intrincadas questões que foram levantadas”.

Nārāyaṇa Ṛṣi contou a Nāradajī que a mesma dúvida que ele levantara havia sido discutida naquele encontro em Janaloka. Esse é o método de compreensão através do paramparā, ou sucessão discipular. Mahārāja Parīkṣit questionou Śukadeva Gosvāmī, e esse citou Nārada, que indagara da mesma maneira Nārāyaṇa Ṛṣi, quem, por Sua vez, colocara a questão diante de autoridades ainda superiores no planeta de Janaloka, onde ela foi analisada entre os excelsos Kumāras – Sanātana, Sanaka, Sanandana e Sanat-Kumāra, que são reconhecidos eruditos nos Vedas e em outros śāstras. Sua ilimitada capacidade de conhecimento, apoiada por austeridades e penitências, é exibida através de seu caráter sublime e ideal. Eles são muito amigáveis e gentis no comportamento, e, para eles, não há qualquer distinção entre amigos, benquerentes e inimigos. Transcendentalmente situados, tais personalidades como os Kumāras estão acima de quaisquer considerações materiais e são sempre neutros em relação às dualidades materiais. Nas discussões mantidas entre os quatro irmãos, um deles, a saber, Sanandana, foi escolhido para falar, e os outros irmãos tornaram-se a audiência destinada a ouvi-lo.

Sanandana falou: “Após a dissolução de toda a manifestação cósmica, a totalidade da energia e a criação completa em sua forma nuclear penetra no corpo de Garbhodakaśāyī Viṣṇu. O Senhor, nesse momento, permanece adormecido por um período de tempo muito extenso, e, quando surge novamente a necessidade de criar, os Vedas personificados reúnem-se em volta do Senhor e começam a glorificá-lO descrevendo Seus maravilhosos passatempos transcendentais, exatamente como os servos de um rei. Quando o rei está dormindo de manhã, os recitadores escolhidos aproximam-se de seu dormitório e começam a cantar suas atividades cavalheirescas, e, ao escutar seus gloriosos feitos, o rei acorda”.

“Os recitadores védicos, ou os Vedas personificados, cantam assim: ‘Ó Senhor inconquistável, Você é a Suprema Personalidade. Ninguém é igual ou superior a Você. Ninguém pode ser mais glorioso em suas atividades. Todas as glórias a Você! Todas as glórias a Você! Por Sua própria natureza transcendental, Você possui integralmente todas as seis opulências. Dessa forma, é capaz de libertar todas as almas condicionadas das garras de māyā. Ó Senhor, oramos fervorosamente para que, por obséquio, assim proceda. Todas as entidades vivas, sendo Suas partes integrantes, são naturalmente bem-aventuradas, eternas e plenas de conhecimento, mas, devido às suas próprias falhas, elas O imitam tentando tornarem-se o desfrutador supremo. Assim, elas desobedecem a Sua Supremacia e tornam-se ofensoras. E, por causa de suas ofensas, Sua energia material encarrega-se delas. Assim, suas qualidades transcendentais de bem-aventurança, alegria e sabedoria são encobertas pelas nuvens das três qualidades materiais. Esta manifestação cósmica, feita das três qualidades materiais, é exatamente como uma penitenciária para as almas condicionadas. As almas condicionadas estão lutando muito arduamente para escapar do enredamento material e, de acordo com suas diferentes condições de vida, elas recebem diferentes espécies de desfrute. Contudo, visto que todas as atividades estão baseadas em conhecimento propiciado por Você, as almas condicionadas podem executar atividades piedosas unicamente quando Você misericordiosamente as inspira a assim proceder. Por conseguinte, sem se refugiar a Seus pés de lótus, não se pode superar a influência da energia material. Na verdade, como o conhecimento védico personificado, estamos sempre ocupados a Seu serviço, ajudando as almas condicionadas a entende-lO’”.

Essa oração proferida pelos Vedas personificados ilustra que os Vedas destinam-se a ajudar as almas condicionadas a compreender Kṛṣṇa. Todos os śrutis, ou Vedas personificados, ofereceram glórias ao Senhor reiteradas vezes cantando “Jaya! Jaya!”. Isso indica que o Senhor é o mais glorioso. De todas as Suas glórias, a mais importante é Sua misericórdia sem causa para com as almas condicionadas, resgatando-as das garras de māyā.

Existem números ilimitados de entidades vivas em variadas espécies de corpos, alguns móveis e outros fixos em um ponto; a vida condicionada dessas entidades vivas deve-se unicamente ao seu esquecimento de sua relação eterna com a Suprema Personalidade de Deus. Quando a entidade viva quer assenhorear-se da energia material, imitando a posição de Kṛṣṇa, ela é imediatamente capturada pela energia material e, de acordo com seu desejo, recebe um tipo dentre os oito milhões e 400 mil diferentes tipos de corpos. Embora esteja sendo submetida às três misérias da existência material, a entidade viva iludida considera-se falsamente o controlador de tudo aquilo que empreende. Sob a ilusão da energia material, representada pelas três qualidades materiais, a entidade viva fica tão enredada que não é capaz, de forma alguma, de se libertar, a menos que seja favorecida pela graça do Senhor Supremo. A entidade viva não pode superar a influência dos modos materiais da natureza por meio de seu próprio esforço. No entanto, como a natureza material está trabalhando sob o controle do Senhor Supremo, Ele encontra-Se além de sua jurisdição. Com exceção dEle, todas as entidades vivas, desde Brahmā até a formiga, estão subjugadas pelo contato com a natureza material.

Como o Senhor possui em plenitude todas as seis opulências de riqueza, força, fama, beleza, conhecimento e renúncia, apenas Ele está além da ilusão da natureza material. A menos que a entidade viva esteja situada em consciência de Kṛṣṇa, ela não pode aproximar-se da Suprema Personalidade de Deus. Entretanto, por Sua onipotência, o Senhor, como a Superalma, pode dirigir internamente a entidade viva até ela chegar a Ele, mesmo enquanto executa seu trabalho corriqueiro. Como o Senhor aconselha no Bhagavad-gītā: “O que quer que você faça, faça para Mim; o que quer que coma, ofereça primeiramente a Mim; qualquer que seja a caridade que deseje dar, primeiro dê a Mim; e quaisquer austeridades e penitências que você deseje executar, execute-as para Mim”. Dessa forma, os karmīs são orientados a desenvolverem gradativamente sua consciência de Kṛṣṇa. De igual modo, Kṛṣṇa orienta os filósofos a se aproximarem dEle pela discriminação entre o Brahman e māyā; por fim, quando está madura em conhecimento, a entidade viva rende-se a Kṛṣṇa. Como Kṛṣṇa afirma no Bhagavad-gītā: “Após muitos e muitos nascimentos, o filósofo sábio rende-se a Mim”. Os yogīs também são orientados a concentrar sua meditação em Kṛṣṇa dentro do coração e, por intermédio desse processo contínuo de consciência de Kṛṣṇa, eles também podem se livrar das garras da energia material. Os devotos, contudo, estão ocupados em serviço devocional com amor e afeição desde o início, motivo pelo qual o Senhor pessoalmente Lhes dá orientação de forma que eles possam aproximar-se dEle sem dificuldade ou desvio. Isso é enunciado no Bhagavad-gītāApenas pela graça do Senhor pode a entidade viva compreender a posição exata de Brahman, Paramātmā e Bhagavān.

As declarações dos Vedas personificados apresentam evidência inequívoca de que a literatura védica é apresentada unicamente para se compreender Kṛṣṇa. O Bhagavad-gītā confirma que, através de todos os Vedas, é Kṛṣṇa apenas quem deve ser compreendido. Kṛṣṇa está sempre desfrutando, quer no mundo material, quer no mundo espiritual; porque Ele é o desfrutador supremo, para Ele não há distinção entre os mundos material e espiritual. O mundo material é um impedimento para as entidades vivas comuns porque elas estão sob o seu controle, mas Kṛṣṇa, sendo o controlador do mundo material, não tem qualquer ligação com o impedimento que este impõe. Por conseguinte, em diferentes partes dos Upaniṣads, os Vedas assinalam: “O Brahman Supremo é eterno, pleno de conhecimento e bem-aventurança, mas a Suprema Personalidade de Deus existe no coração de todas as entidades vivas”. Por causa de Sua onipresença, Ele é capaz de entrar não apenas no coração das entidades vivas, mas também nos átomos. Como a Superalma, Ele é o controlador de todas as atividades das entidades vivas. Ele vive no interior de todas elas e testemunha suas ações, propiciando-lhes os resultados de suas diferentes atividades. Ele é a força viva de todas as coisas, mas Ele é transcendental às qualidades materiais. Ele é onipotente, Ele é perito na criação de tudo e, em virtude de Seu natural conhecimento superior, Ele pode colocar todos sob Seu controle. Por essa razão, Ele é o mestre de todos. Ele às vezes Se manifesta na superfície do globo, mas Ele encontra-Se simultaneamente no interior da totalidade da matéria. Desejando expandir-Se em múltiplas formas, Ele lançou Seu olhar sobre a energia material, e, assim, inumeráveis entidades vivas se manifestaram. Tudo é criado por Sua energia superior e tudo em Sua criação parece ser gerado com perfeição, sem qualquer falha. Aqueles que aspiram à libertação deste mundo material devem, portanto, adorar a Suprema Personalidade de Deus, a causa última de todas as causas. Ele é como a massa total de argila da terra, da qual uma variedade de potes de barro é manufaturada: os potes são feitos de argila da terra, repousam sobre a terra, e, depois de serem destruídos, seus elementos, por fim, fundem-se de volta na terra, a causa original de todas as variedades de manifestação.

Empregando esta analogia do Brahman com a terra, os impersonalistas, especialmente, enfatizam a declaração védica sarvaṁ khalv idaṁ brahma: “Tudo é Brahman”. Os impersonalistas não levam em consideração as variedades de manifestações que emanam da causa suprema, o Brahman. Eles simplesmente consideram que tudo emana do Brahman e, após a destruição, funde-se no Brahman, e que a fase intermediária de manifestação também é Brahman. No entanto, embora os māyāvādīs acreditem que, antes da manifestação, o cosmo estava em Brahman, que após a criação ele permanece em Brahman, e que depois da destruição ele funde-se no Brahman, eles não sabem o que é Brahman. A Brahma-saṁhitā, contudo, descreve claramente o Brahman: “As entidades vivas, o espaço, o tempo e os elementos materiais como fogo, terra, céu, água e mente constituem a manifestação cósmica total, conhecida como Bhūḥ, Bhuvaḥ e Svaḥ, que é manifestada de Govinda. Ela floresce em virtude da força de Govinda e, após a aniquilação, ela entra e é conservada em Govinda”. O senhor Brahmā, então, afirmou: “Eu adoro o Senhor Govinda, a personalidade original, a causa de todas as causas”.

A palavra “Brahman” indica o maior de todos e o mantenedor de tudo. Os impersonalistas são atraídos pela grandeza do céu, mas, por causa de seu pobre fundo de conhecimento, eles não são atraídos pela grandeza de Kṛṣṇa. Em nossa vida prática, contudo, somos atraídos pela grandeza de uma pessoa e não pela grandeza de uma enorme montanha. Portanto, o termo “Brahman” decerto aplica-se unicamente a Kṛṣṇa, razão pela qual, no Bhagavad-gītāArjuna admitiu que o Senhor Kṛṣṇa é o Parabrahman, ou o local de repouso supremo de tudo.

Kṛṣṇa é o Brahman Supremo por causa de Seu conhecimento ilimitado, potências ilimitadas, força ilimitada, influência ilimitada, beleza ilimitada e renúncia ilimitada. Em última análise, portanto, a palavra “Brahman” pode ser aplicada unicamente a Kṛṣṇa. Arjuna afirma que, como o Brahman impessoal é a refulgência que emana dos raios do corpo transcendental de Kṛṣṇa, Kṛṣṇa é o Parabrahman. Tudo repousa no Brahman, mas o próprio Brahman repousa em Kṛṣṇa. Dessa forma, Kṛṣṇa é o Brahman Supremo, ou Parabrahman. Os elementos materiais são aceitos como a energia inferior de Kṛṣṇa. Mediante sua interação, a manifestação cósmica vem a existir, repousa em Kṛṣṇa e, após a dissolução, novamente entra no corpo de Kṛṣṇa como Sua energia sutil. Assim, Kṛṣṇa é a causa tanto da manifestação quanto da dissolução.

Sarvaṁ khalv idaṁ brahma significa que tudo é Kṛṣṇa, no sentido de que tudo é Sua energia. Essa é a visão dos mahā-bhāgavatas. Eles veem tudo em relação com Kṛṣṇa. Os impersonalistas argumentam que o próprio Kṛṣṇa foi transformado em muitos e que, assim, tudo é Kṛṣṇa, e a adoração a qualquer coisa é adoração a Ele. Essa falsa argumentação é rebatida por Kṛṣṇa no Bhagavad-gītā: embora tudo seja uma transformação da energia de Kṛṣṇa, Ele não está presente em toda parte. Ele está presente e não está, simultaneamente. Através de Sua energia, Ele está presente em toda parte, mas, como o energético, Ele não está presente em toda parte. Essa simultânea presença e ausência é inconcebível aos nossos sentidos atuais. Não obstante, uma clara explanação é dada no começo do Īśopaniṣad, no qual é assinalado que o Senhor Supremo é tão completo que, embora energias ilimitadas e suas transformações emanem de Kṛṣṇa, a personalidade de Kṛṣṇa não Se transforma nem mesmo em um mínimo grau. Consequentemente, visto que Kṛṣṇa é a causa de todas as causas, as pessoas inteligentes devem refugiar-se em Seus pés de lótus.

Kṛṣṇa aconselha a todos a rendição unicamente a Ele, e esse é o caminho da instrução védica. Visto que Kṛṣṇa é a causa de todas as causas, Ele é adorado por todos os tipos de sábios e santos através da observância dos princípios reguladores. Quanto ao processo da meditação, grandes personalidades meditam na forma transcendental de Kṛṣṇa dentro do coração. Dessa maneira, as mentes das grandes personalidades estão sempre absortas em Kṛṣṇa. Com as mentes imersas em Kṛṣṇa, os devotos rendidos naturalmente falam apenas de Kṛṣṇa.

Falar ou cantar sobre Kṛṣṇa é chamado kīrtana. O Senhor Caitanya recomenda kīrtanīyaḥ sadā hariḥ, que significa sempre pensar e falar de Kṛṣṇa e nada mais. Isso é denominado consciência de Kṛṣṇa. A consciência de Kṛṣṇa é tão sublime que qualquer pessoa que adote esse processo se eleva à perfeição máxima da vida – muitíssimo além do conceito de libertação. No Bhagavad-gītā, portanto, Kṛṣṇa aconselha todos a sempre pensar nEle, prestar-Lhe serviço devocional, adorá-lO e oferecer-Lhe reverências. Assim, um devoto torna-se completamente kṛṣṇaizado, e, por fim, estando sempre em consciência de Kṛṣṇa, volta a Kṛṣṇa.

Embora os Vedas tenham recomendado a adoração de diferentes semideuses como partes integrantes distintas de Kṛṣṇa, deve-se entender que tais instruções destinam-se às pessoas menos inteligentes, que ainda estão atraídas ao desfrute dos sentidos materiais. Contudo, a pessoa que de fato deseja a realização perfeita da missão da vida humana deve simplesmente adorar o Senhor Kṛṣṇa, e isso simplificará o assunto e garantirá o completo sucesso de sua vida humana. Embora o céu, a água e a terra sejam partes do mundo material, quando ficamos de pé sobre a terra sólida, nossa posição é mais segura do que quando estamos no céu ou na água. Uma pessoa inteligente, portanto, não permanece sob a proteção de diferentes semideuses, embora eles sejam partes integrantes de Kṛṣṇa. Pelo contrário, ela situa-se no chão sólido da consciência de Kṛṣṇa. Isso torna sua posição sã e salva.

Os impersonalistas de vez em quando dão o exemplo de que, se alguém se coloca sobre uma pedra ou um pedaço de madeira, ele certamente está sobre a superfície da terra, porque a pedra e a madeira repousam sobre a superfície da terra. No entanto, pode-se argumentar que, se a pessoa ficar diretamente posicionada sobre a superfície da terra, ela estará mais segura do que se ficar sobre a madeira ou a pedra que, por sua vez, repousa sobre a terra. Em outras palavras, refugiar-se no Paramātma ou no Brahman impessoal não é um procedimento tão seguro quanto abrigar-se em Kṛṣṇa mediante a consciência de Kṛṣṇa. A posição dos jñānīs e yogīs não é, consequentemente, tão segura quanto a posição dos devotos de Kṛṣṇa. Assim, o Senhor Kṛṣṇa diz no Bhagavad-gītā que unicamente uma pessoa desajuizada adota a adoração aos semideuses. E quanto às pessoas apegadas ao Brahman impessoal, o Śrīmad-Bhāgavatam afirma: “Meu querido Senhor, aqueles que se consideram como libertos por meio da especulação mental ainda não estão purificados da contaminação material devido à sua incapacidade de encontrar abrigo a Seus pés de lótus. Embora eles se elevem à situação transcendental de existência no Brahman impessoal, eles certamente caem daquela elevada posição porque ignoram Seus pés de lótus”. O Senhor Kṛṣṇa, dessa forma, esclarece que os adoradores dos semideuses não são inteligentes, pois eles obtêm apenas resultados exauríveis e temporários. Seus esforços são aqueles de pessoas menos inteligentes. Por outro lado, o Senhor garante que Seus devotos não têm medo de cair.

Os Vedas personificados continuaram a orar: “Querido Senhor, considerando todos os pontos de vista, se a pessoa tem de adorar alguém superior a si mesma, então, apenas por uma questão de bom comportamento, ela deve se fixar na adoração aos Seus pés de lótus, porque Você é o controlador último da criação, manutenção e dissolução. Você é o controlador dos três mundos, Bhūḥ, Bhuvaḥ e Svaḥ; é o controlador dos quatorze mundos superiores e inferiores, e é o controlador das três qualidades materiais. Os semideuses e as pessoas avançadas em conhecimento espiritual sempre ouvem e cantam sobre Seus passatempos transcendentais, pois esse processo tem a potência específica de anular os resultados acumulados da vida pecaminosa. As pessoas inteligentes realmente mergulham no oceano de Suas nectáreas atividades e, muito pacientemente, ouvem sobre elas. Em consequência, elas automaticamente se libertam de toda a contaminação das qualidades materiais; elas não têm de se submeter a severas austeridades e penitências para o avanço na vida espiritual. Esse ouvir e cantar de Seus passatempos transcendentais é o processo mais fácil para a autorrealização. Simplesmente através da submissa recepção auditiva da mensagem transcendental, o coração se limpa de toda impureza. Assim, a consciência de Kṛṣṇa se fixa no coração do devoto”. A grande autoridade Bhīṣmadeva também deu a opinião de que esse processo de cantar e ouvir sobre a Suprema Personalidade de Deus é a essência de todas as execuções de rituais védicos.

“Querido Senhor”, os Vedas personificados continuaram, “o devoto que deseje elevar-se simplesmente através desse processo de atividades devocionais, especialmente por ouvir e cantar, muito em breve liberta-se das garras das dualidades da existência material. Por meio desse simples processo de penitência e austeridade, a Superalma, situada dentro do coração, fica muito satisfeita e dá ao devoto a orientação que necessita para voltar ao lar, voltar ao Supremo”. É enunciado no Bhagavad-gītā que aquele que dedica todas as suas atividades e seus sentidos ao serviço devocional ao Senhor torna-se completamente pacífico porque a Superalma fica satisfeita com ele; assim, o devoto torna-se transcendental a todas as dualidades, tais como calor e frio, honra e desonra. Ficando livre de todas as dualidades, ele sente bem-aventurança transcendental e nunca mais sofre preocupações e ansiedades em virtude da existência material. O Bhagavad-gītā confirma que o devoto sempre absorto em consciência de Kṛṣṇa não tem qualquer ansiedade pela sua manutenção ou proteção. Estando constantemente absorto em consciência de Kṛṣṇa, ele, por fim, atinge a perfeição máxima. Embora esteja na existência material, ele vive muito pacificamente e em bem-aventurança, sem se preocupar e ter ansiedades; depois de abandonar o corpo, ele volta ao lar, volta ao Supremo. O Senhor confirma no Bhagavad-gītā: “Tendo alcançado Minha morada suprema, que é um lugar transcendental, nunca se retorna a este mundo material. Qualquer pessoa que atinja a perfeição suprema, estando ocupada no Meu serviço devocional pessoal na morada eterna, atinge a perfeição máxima da vida humana e não precisa retornar a este mundo material miserável”.

Os Vedas personificados prosseguiram: “Querido Senhor, é fundamental que as entidades vivas se ocupem em consciência de Kṛṣṇa, sempre prestando serviço devocional através dos métodos prescritos, como ouvir, cantar e executar Suas ordens. Se a pessoa não se ocupar em consciência de Kṛṣṇa e em serviço devocional, é inútil para ela exibir os sintomas de vida. De um modo geral, se uma pessoa está respirando, se aceita que ela está viva. Porém, uma pessoa sem consciência de Kṛṣṇa pode ser comparada ao fole de um ferreiro. O grande fole é um saco de pele que exala e inala ar, e um ser humano que simplesmente vive dentro do saco de peles e ossos sem adotar a consciência de Kṛṣṇa não é melhor do que o fole. Da mesma forma, a longa duração de vida de um não-devoto é comparada à longa existência de uma árvore; sua voraz capacidade de comer é comparada ao ato de comer dos cães e porcos, e seu desfrute de vida sexual é comparado àquele dos porcos e bodes”.

A manifestação cósmica tornou-se possível devido à entrada da Suprema Personalidade de Deus como Mahā-Viṣṇu dentro deste mundo material. A energia material total é agitada pelo olhar de Mahā-Viṣṇu e, só então, começa a interação das três qualidades materiais. Portanto, deve-se concluir que, quaisquer que sejam as facilidades materiais que estejamos tentando desfrutar, elas estão disponíveis apenas devido à misericórdia da Suprema Personalidade de Deus.

Dentro do corpo, existem cinco setores diferentes de existência, conhecidos como anna-māyāprāṇa-māyā, mano-māyā, vijñāna-māyā e, por último, ānanda-māyā. No início da vida, a consciência de toda entidade viva gira em torno do alimento. Uma criança ou um animal fica satisfeito unicamente por conseguir alimento adequado. Esse estágio de consciência, no qual a meta é comer suntuosamente, é chamado anna-māyāAnna significa “comida”. Depois disso, toma a consciência de se estar vivo. Se a pessoa pode continuar sua vida sem ser atacada ou destruída, ela considera-se feliz. Essa fase chama-se prāṇa-māyā, ou consciência da própria existência. Após essa etapa, quando se está na plataforma mental, a consciência é denominada mano-māyā. A civilização materialista está situada principalmente nestes três estágios: anna-māyāprāṇa-māyā e mano-māyā. A primeira preocupação das pessoas civilizadas é o desenvolvimento econômico, a próxima é a defesa contra a aniquilação, e a consciência seguinte é a especulação mental, a abordagem filosófica dos valores da vida.

Se, pelo processo evolutivo da vida filosófica, alguém chega à plataforma da vida intelectual e compreende que não é este corpo material, mas uma alma espiritual, ele chega, então, à fase de vijñāna-māyā. Posteriormente, por avanço na vida espiritual, chega-se à compreensão do Senhor Supremo, ou a Alma Suprema. Quando alguém desenvolve sua relação com o Senhor e executa serviço devocional, essa etapa da vida chama-se “consciência de Kṛṣṇa”, a fase ānanda-māyā, que é a vida bem-aventurada de conhecimento e eternidade. Como é assinalado no Vedānta-sūtraananda-mayo ’bhyasat. O Brahman Supremo e o Brahman subordinado, ou a Suprema Personalidade de Deus e as entidades vivas, são ambos felizes por natureza. Enquanto as entidades vivas se encontram nas quatro fases inferiores de vida – anna-māyā, prāṇa-māyā, mano-māyā e vijñāna-māyā – considera-se que elas estejam na condição material de vida. Todavia, assim que atinge o estágio de ānanda-māyā, a pessoa é considerada uma alma liberta. Essa etapa de ānanda-māyā é explicada no Bhagavad-gītā como a fase brahma-bhūta. Ali, afirma-se que, na fase brahma-bhūta da vida, não há qualquer ansiedade, tampouco algum desejo. Esse estágio começa quando a pessoa está igualmente disposta para com todas as entidades vivas e, depois, se expande para a fase da consciência de Kṛṣṇa, na qual ela sempre anseia por prestar serviço à Suprema Personalidade de Deus. Esse anseio por avanço em serviço devocional não é o mesmo que o desejo pelo gozo dos sentidos na existência material. Em outras palavras, o desejo permanece na vida espiritual, mas ele se purifica. Da mesma forma, quando nossos sentidos se purificam, eles são libertos das etapas materiais, a saber, anna-māyāprana-māyāmano-māyā e vijñāna-māyā, e situam-se no mais elevado estágio – ānanda-māyā, ou vida bem-aventurada em consciência de Kṛṣṇa. Os filósofos māyāvādīs consideram ānanda-māyā como o estágio no qual a pessoa está imersa no Supremo. Para eles, ānanda-māyā significa que a Superalma e a alma individual se tornam uma. Não obstante, o fato real é que a unicidade não implica fusão com o Supremo e perda da existência individual. Fusão na existência espiritual é a realização da unidade qualitativa da entidade viva com o Senhor Supremo em Seus aspectos de eternidade e conhecimento. No entanto, o verdadeiro estágio de ānanda-māyā (bem-aventurança) é alcançado quando ela está ocupada em serviço devocional. Isso é confirmado no Bhagavad-gītāmad-bhaktiṁ labhate parām. Aqui, o Senhor Kṛṣṇa enuncia que a fase brahma-bhūta ānanda-māyā está completa apenas quando há intercâmbio amoroso entre o Supremo e as entidades vivas subordinadas. A menos que a pessoa chegue a esta fase ānanda-māyā, ela está respirando como um fole de ferreiro, sua duração de vida assemelha-se à de uma árvore e ela não é melhor que os animais inferiores, tais como os camelos, porcos e cães.

Inquestionavelmente, a entidade viva eterna não pode ser aniquilada em fase alguma de sua existência. Contudo, as espécies inferiores de vida existem em uma condição miserável, ao passo que a pessoa que se ocupa em serviço devocional ao Senhor Supremo está no prazeroso estágio da vida, ānanda-māyā. Todas as diferentes fases mencionadas acima estão relacionadas com a Suprema Personalidade de Deus. Embora em todas as circunstâncias existam tanto a Suprema Personalidade de Deus quanto as entidades vivas, a diferença é que a Suprema Personalidade de Deus sempre existe no estágio ānanda-māyā, ao passo que as entidades vivas subordinadas, devido à sua diminuta posição como partes fragmentárias do Senhor Supremo, são propensas a cair nos outros estágios de vida. Conquanto, em todas as etapas, tanto a Suprema Personalidade de Deus quanto as entidades vivas existam, a Suprema Personalidade de Deus é sempre transcendental ao nosso conceito de vida, quer estejamos em enredamento, quer em libertação. Toda a manifestação cósmica torna-se possível pela graça do Senhor Supremo, existe pela graça do Senhor Supremo e, quando é aniquilada, funde-se na existência do Senhor Supremo. Desta forma, o Senhor Supremo é a existência suprema, a causa de todas as causas. Logo, a conclusão é que, sem desenvolvimento da consciência de Kṛṣṇa, a vida é apenas um desperdício de tempo.

Para aqueles que são muito materialistas e não podem compreender a situação do mundo espiritual, ou a morada de Kṛṣṇa, os grandes sábios recomendam o processo de yoga pelo qual a pessoa gradativamente se eleva a partir da meditação no abdome, que é chamada mūlādhāra, ou meditação maṇipūraka. Mūlādhāra e maṇipūraka são termos técnicos que se referem aos intestinos dentro do abdome. As pessoas grosseiramente materialistas pensam que o desenvolvimento econômico é de importância fundamental porque elas estão sob a impressão de que a entidade viva existe unicamente para comer. Tais pessoas grosseiramente materialistas esquecem-se de que, embora possamos comer tanto quanto quisermos, se o alimento não for digerido, ele provocará transtornos de indigestão e acidez. Portanto, o ato de comer não é em si mesmo a causa da energia vital da existência. Para a digestão dos alimentos, precisamos da ajuda de outra energia superior, que é descrita no Bhagavad-gītā como vaiśvānara. O Senhor Kṛṣṇa diz no Bhagavad-gītā que Ele ajuda a digestão na forma de vaiśvānara. Como a Suprema Personalidade de Deus é onipresente, Sua presença no estômago como vaiśvānara não é extraordinária.

Kṛṣṇa está, de fato, presente em toda parte. O vaiṣṇava, por isso, marca seu corpo com os templos de Viṣṇu; ele primeiro faz uma marca de tilaka no templo do abdômen, depois no peito, em seguida entre as clavículas, então na testa e, por fim, no topo da cabeça, o brahma-randhra. Os treze templos de tilaka marcados no corpo de um vaiṣṇava são os seguintes: Na testa fica o templo do Senhor Keśava, na cintura está o templo do Senhor Nārāyaṇa, no peito encontra-se o templo do Senhor Mādhava e, na garganta, entre as duas clavículas, o templo do Senhor Govinda. No lado direito da cintura, fica o templo do Senhor Viṣṇu; no braço direito, o templo do Senhor Madhusūdana e, no lado direito da clavícula, o templo do Senhor Trivikrama. Da mesma forma, no lado esquerdo da cintura, está o templo do Senhor Vāmanadeva; no braço esquerdo, o templo de Srīdhara; no lado esquerdo da clavícula, o templo de Hṛṣīkeśa; na parte superior das costas, o templo chamado Padmanābha, e, na parte inferior das costas, o templo chamado Dāmodara. No topo da cabeça, está o templo de Vāsudeva. Esse é o processo de meditação na localização do Senhor nas diferentes partes do corpo, mas, para aqueles que não são vaiṣṇavas, os grandes sábios recomendam a meditação no conceito corpóreo de vida – meditação nos intestinos, no coração, na garganta, nas sobrancelhas, na testa e, depois, no topo da cabeça. Alguns dos sábios da sucessão discipular, desde o grande santo Aruṇa, meditam no coração porque a Superalma permanece dentro do coração, juntamente com a entidade viva. Isso é confirmado no Bhagavad-gītā, capítulo quinze, onde o Senhor enuncia: “Estou situado no coração de todos”.

Guia de estudos:

1 – O que o sábio Narayana disse para Narada Muni? Você pode imaginar uma assembleia deste nível discutindo sobre assuntos tão importantes? 
2 – O que significa Parampara? Você se sente pertencente a alguma forma de Parampara? 
3 – Quais são as qualidades dos sábios mencionadas aqui? É possível para as pessoas em geral desenvolverem estas qualidades? 
4 – O que os Vedas personificados fazem no começo da criação do universo? Como são as orações oferecidas pelos Vedas ao Senhor? 
5 – Quais são as qualidades transcendentais de Deus e como é possível que elas sejam encobertas? De que maneira as entidades vivas podem executar atividades piedosas? 
6 – O que são srutis? Estude o verso abaixo: Srila Rupa Gosvami diz: sruti-smrti-puranadi-pancaratra-vidhim vina aikantiki harer bhaktir utpatayaiva kalpate (Bhakti-rasamrta-sindhu 1.2.101) “O serviço devocional ao Senhor que ignora a literatura Védica autorizada – os Upanisads, os Puranas e o Naradapancaratra – é simplesmente uma perturbação desnecessária na sociedade”. 
7 – Quais são as opulências de Krsna? Devido a estas opulências krsna fica fora da ilusão. Como Ele orienta os sábios, os yoguis e as entidades vivas a saírem da ilusão? 
8 – Fale sobre o aspecto de Krsna como o controlador e Sua relação com as entidades vivas. Explique a analogia da argila e a causa de todas as causas. 
9 – O que você entende sobre Brahman, Pense sobre o assunto antes de pesquisar no livro. Se possível escreva o que lhe vem a mente. Depois estude os parágrafos que abordam este assunto, pense e escreva novamente, comparando as respostas. 
10 – Qual é a diferença da ideia de que “Krsna é tudo” na visão de um impersonalista e na visão de um devoto?Pesquise no livro Sri Isopanishad versos e significados para corroborar sua resposta. 
11 – Explique o que significa “kirtaniyah sada harih” recomendado por Sri Caitanya Mahaprabhu. Você executa este processo? 
12 – Fale sobre a posição dos jnanis, yogis e devotos com relação à realização da posição de Krsna. Medite nelas, compare-as e pense com qual delas você se identifica. 
13 – O que os Vedas falam da posição de Krsna como controlador? 
14 – O que os Vedas recomendam para a entidade viva que queira limpar seu coração? Como você coloca em prática este ensinamento na sua vida diária? 
15 – Por que uma pessoa sem consciência de krsna pode ser comparada a um fole de ferreiro? 
16 – Quais são os cinco setores de existência dentro do corpo. Explique cada um deles.

Material complementar para estudos: